5 A EVOLUÇÃO DA INSTITUIÇAO POLICIAL BRASILEIRA
A origem da instituição policial civil brasileira se confunde com a da Polícia Civil da Capitania do Reino e do Império, instalada na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Sua evolução histórica está ligada à de Portugal, instituição que se inspirou na polícia francesa.
O estudo histórico da polícia brasileira pode ser dividido em três fases: colonial, imperial e republicana.
Há quem diga que exista uma quarta-fase: a polícia pós-ditadura de 1964.
Pela história, verifica-se que desde a época colonial, a preocupação dos nossos colonizadores era instituir os primeiros organismos relativos à ordem e à segurança. No dia 20 de novembro de 1530, a Polícia brasileira iniciou as suas ações, promovendo Justiça e organizando os serviços de ordem pública, como melhor entendesse nas terras conquistadas do Brasil. A Carta de D. João III, Rei de Portugal, dava ao governador Martim Affonso de Souza competência civil e penal para todas as questões. Martin Afonso de Souza havia sido enviado ao Brasil - Colônia por D. João III.
Em 1603 iniciou a vigência das Ordenações Filipinas, prolongando-se por mais três séculos. O livro V dessas ordenações enumerava os crimes e as penas e dispunha sobre a forma do processo de apuração. Essas leis tiveram importância extraordinária para a vida jurídica do Brasil.
Foram as Ordenações Filipinas, segundo pesquisa feita pelo delegado Simões, que deram os primeiros passos para a criação e desenvolvimento de polícias urbanas no Brasil, ao disporem sobre o serviço gratuito de polícia, exercido pelos moradores e controlados, primeiro, pelos alcaídes e, depois, pelos juizes da terra.
O site da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul1 informa que desde aquelas épocas os serviços policiais utilizavam, para identificarem-se, as cores de Portugal (vermelho e verde) às vezes com a predominância de uma, ora de outra. As identificações serviam para adornar as roupas ou recobrir as armas (lanças ou espadas) e, ao longe, caracterizar os representantes do Rei no combate ao crime, sempre em caráter civil.
A partir de então a Instituição Policial brasileira passou por seguidas reformulações nos anos de 1534, 1538, 1557, 1565, 1566, 1603, e, assim, sucessivamente.
Em 1621 o território brasileiro foi dividido em dois estados: o do Brasil, com sede em Salvador, e o do Maranhão, com sede em São Luiz do Maranhão. O objetivo era melhorar a defesa militar da região norte e estimular a economia e o comércio regional com a metrópole. Nessa ocasião surgiu o esboço da primeira organização policial, com sede instalada no Campo de Santana em Salvador. Essa organização policial era sustentada pelos impostos sobre as casas de pastos, fogos de artifício, tabernas abertas até depois da meia-noite, lançamento de barcos e canoas e etc.
A segurança das cidades, vilas e da área rural era provida pelos Alcaides (oficial de justiça), auxiliados pelos Quadrilheiros e Capitães-do-mato, todos escolhidos dentre cidadãos civis. Era o “mundo da desordem” agindo em nome da ordem, colonial e escravista. A organização dos Quadrilheiros foi criada no Brasil nos mesmos moldes da metrópole.
No final do século XVII, Dom João IV criou o cargo de Juiz de Fora nas principais cidades do Império ultramarino português, aumentando dessa forma o poder de interferência dos funcionários régios na administração local.
Em 16 de janeiro de 1760 o Rei de Portugal Dom José I cria o cargo de Intendente Geral de Policia da Corte e do Reino, com amplos poderes e ilimitada jurisdição, estendendo-se, portanto para o Brasil, com o objetivo de garantir a ordem, a segurança e a paz pública. Nas vias haviam os Delegados e Subdelegados do Intendente, como seu representante.
Este tipo de serviço perdurou até a chegada do príncipe D. João ao Brasil em 22 de janeiro de 1808 na cidade de Salvador. Até aquela época, a coordenação do serviço policial no Brasil era feito pela Intendência Geral de Polícia, cujos integrantes para se identificarem, utilizavam uma lança de oito palmos – um palmo de ponta e sete palmos de cabo, símbolo do poder policial. O cabo era adornado com duas fitas, uma verde e outra vermelha, de mesmas larguras e que recobriam toda a madeira da arma.
Como o órgão, ainda submetido aos ordenamentos da Corte Portuguesa, não conseguia organizar os diversos grupos de policiais (guardas-mores de baixo, dos quarteirões, quadrilheiros, etc.), a Intendência Geral de Polícia de Portugal foi extinta e, mediante o Alvará Régio de 10 de maio de 1808, firmado por Dom José Fernando de Portugal – Príncipe Regente – foi criada a Intendência Geral de Polícia do Estado do Brasil, ocupada pela primeira vez pelo Desembargador Paulo Fernandes Viana, também Ouvidor da Corte, incumbido, imediatamente, de criar suas diversas seções do serviço policial.
Alvará de 10 de Maio de 1808
Crêa o logar de Intendente Geral da Policia da Corte e do Estado do Brazil.
Eu o Principe Regente faço saber aos que o presente Alvará virem, que tendo consideração á necessidade que ha de se crear o logar de Intendente Geral da Policia da Côrte e do Estado do Brazil, da mesma forma e com a mesma jurisdicção que tinha o de Portugal, segundo o Alvará da sua creação de 25 de Junho de 1760, e do outro de declaração de 15 de Janeiro de 1780; sou servido creal-o na sobredita maneira com o mesmo ordenado de 1:600$000, estabelecido no referido Alvará de declaração.
Pelo que mando á Mesa do Desembargo do Paço, e da Consciencia e Ordens, aos Governadores das Relações do Rio de Janeiro e Bahia, aos Governadores e Capitães Generaes, a todos os Ministros de Justiça e mais pessoas, a quem pertencer o conhecimento e execução deste Alvará, que o cumpram e guardem e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nelle se contem, não obstante quaesquer Leis, Alvarás, Decretos, Regimentos ou Ordens em contrario, porque todas e todos hei por bem derogar, para este effeito sómente, como se delles fizesse expressa e individual menção, ficando aliás sempre em seu vigor. E este valerá como Carta passada na Chancellaria, ainda que por ella não ha de passar, e que o seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo das Ordenações em contrario: registando-se em todos os logares, onde se constumam registar semelhantes Alvarás. Dado no Palacio do Rio de Janeiro em 10 de Maio de 1808.
PRINCIPE com guarda.
D. Fernando José de Portugal.
Alvará por que Vossa Alteza Real é servido crear no Estado do Brazil um Intendente Geral da Policia; na forma acima declarada.
Para Vossa Alteza Real ver.
João Alvares de Miranda Varejão o fez.
Uma das primeiras disposições do primeiro Chefe de Policia Civil do Brasil, e que acarretou no termo Polícia Judiciária para identificar as atividades da Polícia Civil, foi o de mandar retirar as fitas vermelhas e verdes das lanças identificadoras e substituir por fitas pretas e brancas, simbolizando o trabalho diuturno da polícia e caracterizando uma nova fase de organização da força pública.
Pelo alvará de 10 de maio de 1808, a Polícia Civil foi organizada da seguinte maneira: um funcionário de nível superior, encarregado de fiscalizar teatros e diversões públicas; um funcionário encarregado do registro de veículos, embarcações e fretes; um outro encarregado de passaporte e fiscalização de estrangeiros; um praticante; um alcaíde, que tinha a atribuição da investigação criminal; um escrivão e dez mineirinhos, que agiam como agente auxiliar dos serviços cartorários.
Dom João VI tinha por escopo organizar uma Polícia eficiente, visando a precaver-se contra espiões e agitadores franceses, não sendo essa organização, portanto, um mecanismo repressor somente de crimes comuns. Sua idéia era dispor de um Corpo Policial, principalmente político, que amparasse a Corte de informes (atividades de inteligências) sobre o comportamento do povo e o preservasse do contágio das temíveis idéias liberais que a revolução francesa irradiava pelo mundo. Essa polícia, além de dar cobertura a Dom João VI, foi à origem da Polícia Judiciária no Brasil.
Integrante da Guarda Real de Polícia da Corte, o major Miguel Nunes Vidigal (1745-1843), que foi imortalizado em Memórias de um Sargento de Milícias, tornou-se famoso naquela época, segundo a Revista de História2. O aviso de “Lá vem o Vidigal!” provocava fugas e tumultos. A chibata, arma usada por seus guardas, é que dava início à ação policial.
Assim escreve Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) no seu romance: “O Major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo o que dizia respeito a esse ramo de administração, era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação das sentenças que dava; fazia o que queria e ninguém lhe tomava as contas. Exercia, enfim, uma espécie de inquisição policial”.
A ação violenta e arbitrária da polícia nessa época já era criticada por contemporâneos, como o jornalista Hipólito José da Costa (1774-1823), que escrevia, de Londres, o Correio Braziliense. Incomodado particularmente com a inclusão da censura à imprensa nas atribuições da Intendência, Hipólito criticava os excessos cometidos no Brasil, confrontando-os com as leis inglesas.
A criação da Polícia Metropolitana de Londres pelo ministro do Interior, Sir Robert Peel (1788-1850), em 1829, marcaria o surgimento de um outro modelo de polícia, cuja missão básica era prevenir o crime e a desordem, como alternativa à repressão pela força militar e à severidade da punição legal. Essa nova visão levaria à construção de um outro conceito de segurança, entendida como um bem público e universal, que deveria ser garantido pelo Estado sob a forma de um serviço oferecido à sociedade, sem distinção de classe social e sem interferência da política local.
Com a independência do Brasil proclamada em 07 de setembro de 1822 é constituída a Assembléia Constituinte e na Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, o tema segurança pública não foi contemplado nem foi citado nenhum serviço policial nos estados.
Em 03 de dezembro de 1841, com o recrudescimento da criminalidade e em razão da absoluta incapacidade operacional dos magistrados para cuidarem, também, das questões de polícia, veio a Lei Nº 261, regulamentada pelo Decreto Nº. 120 de 31 de janeiro de 1842, modificando o Código de Processo Criminal e reestruturando a Polícia Civil. Essa Lei criou em cada Município da Corte e em cada Província um Chefe de Polícia, contando com o auxilio de Delegados e Subdelegado, nomeados pelo Imperador ou pelos Presidentes das Províncias. Ao Chefe de Polícia e ao Delegado cabiam, inclusive, atribuições próprias de Juiz, como expedir mandados de busca, conceder fianças, julgar crimes comuns e, ainda, proceder à formação de culpa.
Em verdade foi o Decreto Nº 120, de 31/01/1842, que definiu as funções da Polícia Administrativa e Judiciária, colocando-as sob chefia suprema do Ministro da Justiça. A competência de legislar sobre a Policia Civil, na fase do Brasil Imperial era reservada ao poder central, ou seja, ao Rei.
Tanto os prédios das chefias de polícia quanto às delegacias eram pintados de branco com os detalhes (janelas, portas, etc.) em preto. Isso para que fossem identificados por qualquer pessoa em qualquer lugar que estivesse na Corte.
Em 20 de setembro de 1871, pela Lei N.º 2033, regulamentada pelo Decreto n.º 4824, de 22 de novembro do mesmo ano, foi reformado o sistema adotado pela Lei n.º 261, separando-se JUSTIÇA e POLÍCIA de uma mesma organização e trazendo algumas inovações que perduram até os nossos dias, como, por exemplo, a criação do Inquérito Policial.
É bom relembrar que o Alvará Régio de 10 de maio de 1808 implantou a Investigatio Criminis, através da Polícia Judiciária, sendo oportuno destacar que, a processualística criminal - enfatizando o inquérito policial, a cargo de Delegado, Bacharel em Direito, a partir de 1875 - nunca sofreu solução de continuidade durante o Império, e nas primeiras décadas da República, proclamada em 15 de novembro de 1889, com a deposição do Imperador D. Pedro II, regida assim, pelo Código de Processo Criminal de 1832 - somente totalmente revogado pelo atual, a partir de sua vigência em 1º de janeiro de 1942 - decreto lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941.
No longo percurso daquela processualística criminal, e a título informativo, tiveram grande voga, o Regulamento 120, de 31 de janeiro de 1842, e o outro, de número 4.824 de 20 de novembro daquele mesmo ano.
Com o advento da República e o crescimento das principais cidades, o serviço de polícia deixou de ser pedestre e passou a utilizar tanto o transporte animal quanto os veículos de propulsão a motor que passaram a ser disponibilizados na década de 30.
Algumas tentativas de reforma da Lei Processual Penal Unitária de 1941 pretenderam retirar da Polícia Civil, as funções de Polícia Judiciária, o que agora, não mais comporta, posto que a vigente Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, expressamente o consagrou - o que nenhuma Carta Magna brasileira tinha feito - nos seguintes termos:
"As polícias civis dirigidas por delegados de Polícia de carreira incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Policia Judiciária, exceto as Militares". (art. 144, parágrafo 4º, cap. III, tit. V)
As décadas de 70 e 80 do século passado marcam um período de crescimento e profissionalização dos organismos da Polícia Civil, por intermédio da criação de departamentos e delegacias especializadas. A partir da década de 80, a Polícia Civil de vários estados editaram seus Estatutos, com disposições para uma policia estruturada em carreira, estabelecendo que o ingresso nos quadros seja, exclusivamente, por concursos públicos e a escolaridade mínima de segundo grau.
A constitucionalização de Segurança Pública se deu a partir da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, onde a competência para a Polícia Civil para investigar está determinada no artigo 144, parágrafo 4º, que diz que as Polícias Civis, dirigidas por Delegados De Polícia de carreira, ressalvada a competência a União, incumbe-se das funções de Policia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto militares. Finalmente a constituição de 1988 criou o sistema e definiu a segurança pública, especificando as missões e os órgãos que a compõe, tais como: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
DATAS HISTÓRICAS
1500/1808 - A primeira tropa organizada no Brasil de que se tem noticia foi armada em São Vicente, no litoral paulista em 1542, para expulsar os espanhóis da capitania. Posteriormente, durante o período colonial, a função de polícia foi exercida por uma linha de tropa formada por cidadãos, como lavradores e comerciantes.
1808 - Com a vida de Dom João VI para o Brasil, a Guarda Real de Polícia é reorganizada e se torna a polícia da Corte, instalada no Rio de Janeiro.
1831- Lei baixada pela Regência cria o Corpo de Municipais Permanentes na Corte e autoriza que as Províncias façam o mesmo. É a origem da atual Polícia Militar. Ao longo do século XIX, essa polícia recebe diferentes denominações. Além da segurança interna, a polícia paulista participa ao lado do governo imperial e republicano de vários conflitos, como a Guerra do Paraguai e a Campanha de Canudos (1897).
1891 - A polícia paulista formada durante a Regência adota o nome de Força Pública.
1905 - É criada em São Paulo a polícia de carreira, berço da atual Polícia Civil, ligada à Secretaria da Justiça do Estado, em razão da sua função de polícia judiciária.
Fonte: José Alberto Gonçalves
Super Interessante: Especial Segurança
Abril 2002, p. 20-21